Sou amigo do Katró há muitos anos, muitos mesmo, praticamente metade das
nossas vidas. Conhecemo-nos na adolescência quando eu fazia um programa
de rádio na LAC (A Era do Hip Hop) e ele me levou a sua maquete “Casos
da Cidade” (“eu ia em gás/com uma perna frente e outra atrás/ tava eu em
brasa a sair do Kiluanji”). Desde os primeiros minutos que me provocou
as mais sinceras e desgarradas gargalhadas com as suas rimas. As nossas
trajetórias, embora com algumas diferenças naturais, tocam-se em vários
pontos, de convivência, troca de ideias, episódios que vivemos juntos, a
presença em momentos cruciais e definidores de rumo, o que foi
cimentando uma cumplicidade fraterna, cada vez mais forte.
Há duas semanas ele procurou-me, como fez tantas vezes ao longo destes
16 anos, para desabafar acerca de alguns episódios turbulentos por que
tem passado, pedir-me a minha opinião, ouvir sugestões. Mostrou-me o
pneu do seu carro-de-luxo rasgado meio palmo acima da jante, na parte
lateral e perguntou se eu achava que podia ser alguma coisa da estrada,
ou que tivesse encostado por azar num objeto cortante sem dar conta. Por
mais que eu tentasse dobrar as leis da física não consegui conceber
acidente provável, para mim aquilo era mesmo sabotagem! Aqui têm a foto
para que possam tirar as vossas ilações e, quiçá, ajudar-me com a física
que pode já estar enferrujada (ou tendenciosamente nublada).
Partindo do princípio que seria sabotagem, passámos a elaboração de
teorias, tentando inicialmente fugir à mais simples, mais óbvia, a da
conspiração. Quem? Quando? Aonde? Porquê? Que tipo de inimigos uma
pessoa como o katró pode ter para inspirar este tipo de ação destrutiva?
Poderia ser algum fã desgastado com o que interpretaria serem “as
contradições do kapa”? “Um artista do povo, não pode andar numa máquina
que coaduna com a opulência do opressor” tipo de pensamento? É até
possível, isto dar-nos-ia resposta as duas questões mais importantes e,
no universo das probabilidades, não deveria ser descartado como sendo
uma delas. Outra, mais forte, seria a de um eventual ex-namorado
ciumento achar que o kapa tem uma relação de proximidade reprovável com
alguém que consideram ser sua propriedade e, vai daí, facada no seu
pneu, para ele aprender a não ser mais o pássaro agoirento que vem
estragar relacionamentos. Haverá outras possibilidades, incluíndo até a
mais remota, de um vagabundo qualquer ter simplesmente raiva a quem
tenha dinheiro para comprar um carro de uma centena de milhar de dólares
e ter calhado o azar nesse dia de cruzar com o popó do katró, sem
sequer saber de quem era. Ficámos com a pulga atrás da orelha, pois,
apesar de todas as hipóteses levantadas, seria ingénuo descartar a da
intenção de “alguém” lhe querer enviar um “recado” sem palavras, uma
intenção em tudo similar a do arrombamento que sofreu no dia do
lançamento do seu disco.
A certeza veio porém na semana passada, quando o kapa recebeu o
telefonema de uma amiga, muito nervosa, contando-lhe um episódio de
contornos macabros, parecido com o que viveu a minha namorada no ano
passado.
A rapariga contou-lhe que tinha a nítida impressão de haver movimento estranho na sua rua no instante em que meteu o pé (ocarro) fora de casa.
Rapidamente se apercebeu que estaria a ser ostensivamente seguida por
um Nissan Patrol dos antigos (quando era ndengue chamavam “garoupa”) de
cor vermelha, pois andou às voltas pelo bairro para tirar a prova dos
nove. O carro tinha as chapas de matrícula tapadas com sacos pretos e
num instante, os bisontes passaram a ação. Um segundo carro bloqueou o
caminho à rapariga pela frente, o Patrol colocou-se em viés por detrás e
ela viu-se forçadamente imobilizada. Nisto, saiem dois indivíduos bem
alimentados do Patrol, com chapéus e óculos escuros, tal qual este
daqui:
OK, então, pelos vistos, a teoria da conspiração não era assim tão descabida. A questão agora era saber “o quê” exatamente anda o katró a fazer que tenha de “parar já!”, subentendendo o “caso contrário…”
Vamos analisar as atividades do jovem artista desde 2011 até agora e ver juntos, o que é que incomoda tanto essa gente que não está habituada à convivência com o contraditório:
- 13 Abril, encontra-se com Angela Merkel, Chanceller alemã, onde aborda abertamente as mesmas questões que refere insistentemente nos seus discos: justiça social, paz no prato e espancamento à manifestantes no exercício das suas liberdades fundamentais.
- 08 de Setembro 2011, o kapa apresenta-se por iniciativa própria em frente ao Tribunal de Polícia onde um aglomerado de pessoas protestavam contra o julgamento ilegal dos manifestantes de 3 de Março. Torna clara e pública a sua posição em relação ao “assunto quente do momento”, o assunto ao qual a sociedade e os opinion-makers se têm furtado, para não atrair sobre si a ira do camarada “ordens superiores”.
- 18 de Dezembro, lança o seu disco “Proibido Ouvir Isto”, recheado de mensagens alertando para o estado de precariedade social à que estamos votados e denunciando as manobras maquiavélicas de um regime que, apesar de vestir o fato e gravata de diplomata democrata, revela incessantemente a sua verdadeira mentalidade totalitária.
- Entrevistas à órgãos de comunicação social estrangeiros, como a Deutsche Welle, VOA e em Lisboa, ao Jornal Público, à Lusa e ao Semanário Sol (que apesar de ter distribuição pelos PALOP teve a sua entrevista “barrada” na edição angolana, saindo apenas em Moçambique. Mas aqui têm o pdf para vosso deleite.)
- 24 Abril, encontra-se com Durão Barroso, na mesma linhagem do que fez com Angela Merkel, entregando desta vez um DVD com um documentário que resume o ano de 2011 em manifestações (brevemente online). Esse encontro deu origem a uma nova matéria no Semanário Sol, desta vez a local.
- Entrevista à manifestantes (ver vídeo abaixo)
- Apoio à campanha: Por Uma Angola Livre, promovida pela Omunga.
No seguimento dessa demonstração de opulência, outro pneu aparece sabotado e, apesar da insistência em incluir na lista de probabilidades um lancil inconveniente,eu continuarei a descartar o posicionamento da relativização pois, ia ser muita coincidência acumulada: uma calamitosa falta de destreza ao volante e um lancil bem pontiagudo, sobretudo tendo em conta as ocorrências registadas anteriormente.
Katró meu dreda, sabes que gostaria muito de te ter connosco a levar puretes que “doem na carne mas não desfazem ideias”, mas na falta disso, agradeço-te e estimo-te bwé por manteres a tua coerência, por não te sentir hesitar um segundo na hora de responder perguntas acerca deste tema, por, de certa forma, seres um porta-voz das nossas aflições que também são tuas e por não te deixares vergar à pressão, preferindo denunciar do que omitir. Tamos juntos meu irmão!
Luaty Beirão
Fonte: http://centralangola7311.net
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