Entrevista com Orelha Negra: Regresso ao futuro por: Davide Pinheiro

Orelha Negra @ MED 2010 


















Modernizar o passado é reinventar o futuro. Podia ser este o slogan dos Orelha Negra caso fossem o partido com assento nas urnas. Como não são, está aí um segundo álbum em que a linguagem aprendida na escola negra é desenvolvida.
 

No contexto actual, a música é quase sempre embrulhada numa narrativa mas, no vosso caso, parecem querer defender a obra em primeiro lugar.

Sam The Kid - É isso mesmo. Não existe um conceito, uma narrativa, é a música pela música com o objectivo de diferenciar este (disco) do primeiro com outras sonoridades que façam sentido no nosso universo. Neste consegues ouvir o que já estava no primeiro como a soul mas também tens rock progressivo, anos 80…
Francisco Rebelo - A narrativa é a que cada um constrói quando ouve. Ela existe mas é inconsciente.
STK - Não é voluntária. Surge no processo de intelectualização. O álbum começa com«Um Brinde», termina na«Aurora»e pode haver quem pense que há uma ligação entre as duas…quem quiser pensar assim, é bem-vindo!
FR - Por isso é que o álbum se chama«Orelha Negra»e não tem um título identificativo.
Fred Ferreira - Não vamos ser hipócritas; também pensamos nisso.
STK - Podia ser interpretado ao contrário mas é uma estratégia para a música falar por si. Claro que queremos vender mas a música é o mais importante. Não é como os Blasted (Mechanism) em que os fatos falam mais alto (risos)!

A ideia do supergrupo diluiu-se, não foi?

STK - Sim se bem queao conotarem-nos como supergrupo, partimos logo em vantagem. Há prós e contras porque existe uma expectativa derivada do nosso estatuto mas, por outro lado, temos crédito como músicos.
FR - Há um facto que é nós termos iniciado isto porque comungamos de uma série de questões e com os anos essa química aumentou mas, por outro lado, ainda nos conseguimos surpreender uns aos outros e é isso que mantém o forno aceso. No primeiro álbum, as canções foram construídas para uma ideia de concerto que culminou num disco. Desta vez, foi ao contrário: «vamos fazer um disco e temos um concerto pela frente, que foi o do CCB». Manteve-se o lado experimental, de jam session, mas depois houve um apurar em termos de produção que nos fez ir procurar coisas que não tínhamos feito ainda. Experimentar outros sons e outros estéticas num disco mais denso e longo.
STK - Nós também beneficiámos de aceitação por não haver uma banda com estas características. Não somos únicos mas temos algo de original. É diferente. Houve pessoas que estranharam nós não comunicarmos (em palco), no início, mas que agora já se habituaram à ideia. Por isso, acho que sim, que se diluiu.
FR - Aí é uma questão que tem mais a ver com os media e contra a qual não podemos fazer nada. É simpático mas pode ser traiçoeiro.
STK - Pois, é isso. Pode enganar. Como estamos a dar um passo de continuidade, essa ideia está a ficar para trás. Muitos dos supergrupos têm objectivos pontuais.
FR - No fundo, fizemos tudo o que uma banda nova faz. Tocar em sítios pequenos, alguns com menos condições e com cachets foleiros. Também já nos receberam como «os putos que vêm para aqui chatear».

Quando começaram a banda, a ideia era continuar?

FR - A ideia era continuar. Claro que se o disco fosse uma merda, tínhamos fechado a loja. Juntámo-nos e entendemos que devíamos fazer uma cena. Os meus 48 aninhos já não dão para fazer coisas inconsequentes. Não foi um encontro pontual e datado. Quando acabámos o primeiro disco, começámos logo a pensar no segundo; no que podíamos explorar de novo. No fundo, as pessoas é que decidem se devemos continuar ou não mas se nos dá pica…
STK - Foi importante dar continuidade e o álbum não ter demorado muito. Saiu o primeiro álbum, a mixtape e agora o segundo. Não foi apressado mas confesso-te: a seguir ao primeiro álbum, recebemos um convite para fazermos um álbum com um nome de gabarito mas preferimos esperar. Era tipo Orelha Negra e Michael Jackson (risos) mas queremos solidificar a cena.
Crescer sustentadamente.
FF - O percurso no Porto foi exemplar: começámos na Bluestore para 40 pessoas, depois Plano B esgotado, a seguir as Noites Ritual e só fizemos o Hard Club este ano. Sempre achámos que devíamos andar devagarinho.
FR - Também para as pessoas assimilarem o disco. Nos primeiros concertos, as pessoas perguntavam-nos se não havia cantor e a verdade é que nós também tivemos que nos adaptar. Nenhum de nós tinha trabalhado neste formato, com excepção talvez dos primeiros concertos dos Spaceboys antes do Kalaf entrar. Tivemos que aprender a comunicar em palco.
FF - Há problemas como numa banda com vocalista.
STK - Não há rewind. Não há um microfone para ocupar um silêncio. Não há um «chouricinho» tipo freestyle (risos).

A mixtape com vozes fez-vos chegar a mais gente?

STK - Um amigo meu estava a dizer-me que só chegou a meio do concerto de Faro «na música do Valete». Neste álbum também vamos fazer uma mixtape.
FR - Fez-nos chegar as outras pessoas.
STK - E a do Orlando (Santos), ninguém dava muito por ela no álbum….
FF - Era o intro...

Pensam a vossa música como um tributo aos vossos precursores?

STK - Honestamente, é sempre um tributo mas pode não ser tão simples. No nosso álbum, temos uma música popular portuguesa dos anos 80 mas o original não é grande coisa. Eu curto é aquela parte! Estou a recontextualizá-la, adoro essa palavra. Mas que um gajo respeita, respeita. Por exemplo, eu não gosto do refrão dos Fevers («A Luta») mas adoro aquela parte. O hip hop sempre foi isso. Agora, o tributo está na sensibilidade dos músicos. Posso pegar num sample e o tributo não está no original mas na manipulação.

E agora querem continuar a crescer ao vosso ritmo?

FR - É uma questão de gestão. O país é pequeno e às vezes há gajos que têm discos fixes mas que não resistem a todos os eventos e convites. Podem ter um grande ano mas depois não tocam.
FF - Pois, o país é pequeno e nem toda a gente te quer ouvir. É mesmo assim. Para nós, dar 15 concertos é bom. Para outros pode ser um fail. Não queremos tocar sem prazer. Queremos ir e tocar para pessoal fixe.
FR - Queremos fugir ao esquema de ir tocar a todo o lado e depois corrermos o risco de não ter público.
STK - Não queremos banalizar. Não precisamos de fazer tudo e mais alguma coisa. Sabemos que temos dar o corpo ao manifesto mas não precisamos de ir à «Praça da Alegria».
FF - Respeitamo-nos a nós próprios. Não há a ideia de usar a banda ao máximo. Nenhum de nós tem pressa nem depende exclusivamente da banda. Agora estamos aqui mas daqui a um nós se calhar estamos a falar de outra coisa ou do disco do Samuel.
STK - Sim, não garanto mixtape e logo a seguir álbum de Orelha Negra. Logo se vê.
FF - Estivemos três ou quatro anos concentrados nisto e agora, é provável que daqui para a frente não seja uma mixtape e depois um álbum. Houve coisas que foram ficando de lado.
STK - Não sinto que a missão da Orelha Negra esteja completa. Está bom mas ainda pode ser melhor.
FR - Vamos sentir esse desafio. Há-de haver um momento em que esse esse apelo vai chegar.
FF - Desta vez, sentámo-nos e fizemos. Agora, vamos conviver.
FR - E volta, não volta aparece alguém com uma ideia. Um filme…
FF - Fazia todo o sentido fazermos uma banda sonora. Mandei mensagens no Facebook para o Sá Leão e para o Hot Gold. Ainda não me responderam. Há um disco que eu tenho aqui que se chama Pornosonic com o Ron Jeremy que eu recomendo. É uma funkalhada. Se me aparecessem com essa ideia…

davidevasconcelos@gmail.com

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